Saiba quais são as cinco Terras Indígenas mais devastadas pelo garimpo 6x49q

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil/ - 24/01/2023
Saiba quais são as cinco Terras Indígenas mais devastadas pelo garimpo
Territórios Kayapó, Munduruku, Yanomami, Tenharim do Igarapé Preto e Apyterewa, lideram estatística negativa monitorada pelo Mapbiomas
Por Lucas Altino

24/01/2023 13h55 Atualizado há 23 horas

A situação de degradação social e sanitária em função da invasão garimpeira não é exclusividade da Terra Indígena Yanomami (TYI) entre as comunidades indígenas da Amazônia. Monitoramento do Mapbiomas mostra que há cinco Terras Indígenas (TIs) onde o avanço do garimpo acontece de forma mais grave. Na edição mais recente do Mapeamento Anual de Mineração e Garimpo no Brasil, de setembro de 2022, as estatísticas mostram que as TIs Kayapó, Munduruku, Yanomami, Tenharim do Igarapé Preto e Apyterewa, em ordem, são as que têm maior território devastado pelo garimpo.

De acordo com a Constituição Federal, qualquer exploração mineral em áreas protegidas (Terra Indígena e Unidade de Conservação) é proibida. Portanto, os monitoramentos, feitos por imagens de satélite, do Mapbiomas mostram a ocorrência de atividades ilícitas. De 2010 a 2021, a área de garimpos dentro de terras indígenas cresceu 632% e 91,6% de todo o garimpo brasileiro está na Amazônia. Desse total, 12% acontece em territórios protegidos (TI e UC).

Onze anos de invasão
De 2010 a 2021, a área de garimpos dentro de terras indígenas cresceu 632%
Cinco reservas mais ameaçadas em 2021 (em hectares)

Apyterewa 11.542
Tenharim do Igarapé Preto 4.743
Yanomami 1.556
Munduruku 1.044
Kayapó 172

Fonte: MapBiomas

Em relação à TIY, o relatório "Yanomami sob ataque", da Hutukara Associação Yanomami, mostrou que o garimpo ilegal avançou 46% dentro do território entre 2020 e 2021 e a atividade ilícita já afeta mais da metade das 350 comunidades indígenas dentro da TIY. De 2016 a 2020, o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3.350%, ressalta o estudo.

Mas há, ainda, outros dois territórios mais explorados que o Yanomami: as terras Kayapó e Munduruku. Em 2021, a extensão territorial onde foi identificada atividade garimpeira somava 11.542 hectares na TI Kayapó e 4.743 hectares na TI Munduruku. Na TIY, foram identificados 1.556 hectares de devastação no mesmo período.

Uma das explicações para a diferença entre esses três números é geográfica, explica Cesar Diniz, coordenador da área de Mineração do MapBiomas:

-- No caso dos Kaiapó, o o é relativamente mais fácil, com rotas conhecidas e tradicionalmente exploradas. Já a terra Yanomami é uma área muito isolada, que depende de muita pista de pouso. Essas pistas que foram tomadas pelos garimpeiros -- explicou Diniz, que lembra que garimpeiros evitam rotas por rios, por causa da fiscalização. -- O transporte aéreo é mais favorável ao garimpeiro, um transporte mais eficiente e de difícil fiscalização.

O especialista, que destaca os discursos e os projetos de lei da última gestão do governo federal como fatores que aceleraram a invasão garimpeira, diz que o poder público precisa investir em sistemas de monitoramento das aberturas de lavras garimpeira e de rastreamento da produção de ouro, como técnicas para coibir a atividade ilegal. Para ele, só com disposição e vontade política será possível solucionar problema.

-- Existem 424 Terras Indígenas na Amazônia e apenas cinco são severamente afetadas pelo garimpo. Então dizer que o Brasil não tem condições de coibir a invasão garimpeira é rir da capacidade brasileira de combater o crime -- afirma ele, que lembra que as regiões visadas pelo garimpo já são as mesmas há décadas. -- Historicamente, Pará, RR e MT têm mais ouro, por condição geológica. Já poderíamos ter resolvido isso de maneira definitiva.

Garimpo promove conflitos e insegurança alimentar
Pesquisadores que acompanham a luta contra a invasão de garimpo em terras indígenas explicam as formas com que os criminosos conseguem ar a região. São, basicamente, duas possibilidades: por força ou por aliciamento.

Uma vez instalados, o primeiro ato dos garimpeiros é derrubar a cobertura vegetal e mudar o curso do rio, o que provoca alterações no ecossistema local, explica Paulo Basta, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. Os animais que não são abatidos, fogem e os peixes se contaminam com o mercúrio. Assim, as fontes de alimento natural tornam-se escassos.

-- Ocorre substituição dos padrões alimentares na comunidade -- afirma Basta, que diz que, em troca, os garimpeiros vendem produtos industrializados, como enlatados ricos em sódio e com poucos nutrientes. -- Por isso há o convívio de crianças com desnutrição e homens com doenças metabólicas, como diabetes, hipertensão e obesidade, o que não existia antes.

Basta já liderou pesquisas sobre a contaminação por mercúrio nas TIs Yanomami e, mais recentemente, Munduruku. Na primeira, seu grupo concluiu que, em 2014, 7% dos moradores de uma comunidade indígena que sofreu com atividade garimpeira nos anos 80 ainda possuíam alto nível de mercúrio no corpo. Ou seja, décadas após o encerramento da atividade, na época da primeira corrida do ouro, ainda havia uma contaminação. Já na aldeia onde o garimpo acontecia durante a pesquisa, mais de 90% da população estava com altos índices de exposição.

Em 2021, uma outra pesquisa de seu grupo mostrou que 6 a cada 10 pessoas que viviam na TI Munduruku possuíam nível elevado de mercúrio no corpo.

-- Provamos, nessa pesquisa, a associação do mercúrio com sinais e sintomas neurológicos. Adultos que apresentavam problema de sensibilidade, motores, de reflexo e de memória estavam entre os que possuíam maiores níveis de contaminação -- explica Basta, que lembra que o problema consegue se estabelecer longe dos garimpos, por causa dos pescados. -- O problema não está aos povos indígenas e se estende à população de toda a Amazônia, por causa do consumo de peixe.

A desestruturação causada pelo garimpo afeta não só o meio ambiente como a a estrutura organizacional das comunidades, explica Luisa Molina, antropóloga do Instituto Socioambiental (ISA).

-- Os maiores impactos, sociais e de saúde, são invisíveis. Acham que é só aquela área desmatada pelo garimpo que é o problema, e não se dão conta da consternação que esse tipo de atividade causa -- resume Luisa Molina.

Ela explica que as famílias são afetadas pelo aliciamento de jovens lideranças, o que fomenta conflitos até armados. Os garimpeiros muitas vezes prometem porcentagem na venda do ouro, motores de poupa ou até cestas básicas em troca do o às áreas. Ao final, se cria uma dependência, pois os indígenas não conseguem mais caçar e pescas, o que inviabiliza as condições de vida e de saúde da comunidade.

Com as divisões internas, lideranças contrárias ao garimpo acabam sendo ameaçadas, diz a pesquisadora.

-- O garimpo instala, nas comunidades indígenas e arredores, um contexto de guerra. Não pode andar de qualquer jeito em qualquer lugar, é precisa ter cuidado com o que fala -- diz Molina, que critica a falta de ação do governo Bolsonaro, e o estímulo às invasões. -- A Terra Indígena existe para garantir a sobrevivência física e cultural de um povo. Mas o garimpo faz o avesso, faz a desestruturação total, transforma a comunidade num lugar de insegurança, onde não têm segurança alimentar e liberdade.

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/01/saiba-quais-sao-as-cinco-terras-indigenas-mais-devastadas-pelo-garimpo.ghtml
Garimpo:Amazônia

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  • TI Apyterewa
  • TI Tenharim do Igarapé Preto
  • TI Kayapó
  • TI Mundurucu
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