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FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ - 13/05/2025
A velha e falsa solução da guerra às drogas
Enquanto crime organizado cresce na amazônia, EUA querem tratar facções como terroristas

Ilona Szabó de Carvalho
Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

13/04/2025

Representantes dos EUA estiveram no Brasil, na semana ada, com a agenda de enquadrar organizações criminais, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), como terroristas.

A resposta das autoridades brasileiras, ao rechaçar a proposta, foi lembrar que nossa legislação define o terrorismo por sua motivação ideológica, política ou religiosa. Facções criminosas têm nos ganhos financeiros a razão de sua existência. Para ambos, há leis pertinentes de prevenção e punição.

Não há evidências de que tratar criminosos comuns como terroristas pode melhorar a capacidade do Estado brasileiro de combater o crime organizado, muito menos as questões estruturais em cima das quais essas facções se criam e prosperam. Ao contrário: a mudança de status pautada pelos EUA coloca em risco a soberania nacional. Abre uma brecha perigosa para a intervenção externa na nossa política de segurança pública.

A pressão norte-americana acontece num momento no qual as duas maiores organizações criminosas do Brasil, que já consolidaram sua atuação no tráfico internacional de drogas, vêm ampliando seus negócios na região amazônica, em convergência com os crimes ambientais.

Um caderno recém-lançado pela rede Uma Concertação pela Amazônia e pelo Instituto Igarapé, reunindo uma extensa bibliografia sobre segurança na região, mostra que a violência letal se mantém expressivamente superior à média do país e que a região também sofre com outros tipos de crime.

O crime ambiental, marcado pela exploração ilegal de madeira e ouro, a grilagem de terras e a pecuária ilícita se estruturaram de forma organizada e envolvem uma cadeia de crimes não ambientais, como fraude, corrupção, violências e lavagem de dinheiro.

A partir de 2010, a violência na amazônia ganhou nova dimensão, com a expansão da rota amazônica para o tráfico de cocaína e a chegada das facções prisionais e do narcotráfico do Sudeste, associadas a grupos locais. E, nos últimos dez anos, o cenário se tornou mais complexo com a presença dessas organizações criminosas no ecossistema do crime ambiental -como a participação do PCC no garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (RR) e de narcotraficantes na pesca irregular no Vale do Javari.

A insistência do atual governo norte-americano em classificar as organizações do narcotráfico como terroristas faz parte de uma nova onda da Guerra às Drogas, que teve seu auge nos anos 1980 e 1990. As operações de repressão, estendidas à América Latina, igualavam usuários e traficantes e se mostraram ineficazes. O maior resultado foi o aumento da população carcerária jovem, pobre e negra, tanto nos EUA como nos países latino-americanos, o Brasil entre eles.

Em vez de falsas soluções embaladas no discurso da guerra e do terrorismo, a segurança pública deve ser tratada com um olhar multidimensional, que fortaleça as precárias condições institucionais e de articulação de governos e do sistema de segurança pública e Justiça criminal que predominam na amazônia.

O crescimento de organizações criminosas na região precisa ser combatido com rigor e inteligência a partir da desestruturação de seu financiamento, tolerância zero com estruturas corruptas e coniventes e forte cooperação regional e internacional. Isso requererá dos EUA o controle do comércio de armas que alimenta as facções criminosas que operam no Brasil e o combate à lavagem do dinheiro vindo do crime ambiental.

Reverter o quadro de violência, vulnerabilidade e criminalidade que assola a região amazônica é mais que urgente, mas será preciso mais que "soluções mágicas".

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ilona-szabo/2025/05/a-velha-e-falsa-solucao-da-guerra-as-drogas.shtml
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